Doenças mentais e a força curativa do amor
- Eduardo Nunes da Silva
- 1 de jul. de 2016
- 8 min de leitura

No livro Conforme a Atitude Mental, volume 2, o doutor Katsumi Tokuhisa narra o caso do preletor Kiyomaru Ito, que foi procurado por uma pessoa para curar um vizinho viúvo, que parecia ter enlouquecido, tinha surtos de violência, não permitia a entrada de ninguém em sua casa e não dava de comer aos três filhos pequenos. O preletor Ito foi até a casa dessa pessoa e quis entrar para oferecer a leitura da sutra sagrada à alma da falecida esposa, mas foi impedido de entrar pelo viúvo, que empurrando e gritando disse: “Não pode entrar! Não pode entrar!”.
Sem alternativa, o preletor Ito começou a ler a sutra sagrada e, cercado por pessoas da vizinhança, leu três vezes. Mas o dono da casa não apresentou nenhuma melhora. Nesse momento o preletor ouviu uma voz interna ordenando: “Ore!”. Mesmo diante do grande número de pessoas aglomeradas, o preletor Ito sentou-se no chão e começou a praticar a Meditação Shinsokan. Conta o doutor Tokuhisa que, durante a meditação, o preletor voltou a ouvir uma solene e enérgica voz interna: Kiyomaru Ito! Quem é louco é você!” O doutor Tokuhisa comenta que se fosse ele nessa situação, teria vontade de protestar, dizendo que o outro é que era louco e que viera para curá-lo, e que o preletor Ito também pensou assim. Mas a voz voltou a se pronunciar: “Tudo neste mundo é projeção da mente!”. Ao ouvir estas palavras, o preletor Ito teve um despertar espiritual e compreendeu que até aquele momento havia tido uma mente presunçosa, desejando curar um homem, considerando-o louco, ao invés de visualizar e reconhecer o homem-Deus, mesmo em uma pessoa considerada louca. O preletor pediu perdão a Deus e pediu para que Ele eliminasse a ilusão mental que admite a existência de imperfeições como a loucura. Quando o preletor Ito conseguiu visualizar firme e nitidamente a Imagem Verdadeira de filho de Deus, ocorreu a cura do homem considerado louco.
Há um interessante caso clínico ocorrido com a doutora Nise da Silveira (1905-1999). Esta médica alagoana tornou-se célebre por seus trabalhos que contribuíram grandemente para a humanização dos tratamentos psiquiátricos no Brasil. Criou instituições inovadoras como o Museu de Imagens do Inconsciente e a Casa das Palmeiras, primeiro espaço terapêutico em regime de externato, que se tornou referência para os Centros de Atenção Psicossocial no Brasil e foi responsável pela formação do Grupo de Estudos C. G. Jung e introdutora da psicologia junguiana no Brasil. Sua obra é referência nacional e internacional.
Há alguns anos, vi uma entrevista dela em um programa de televisão em que ela narrou o seguinte episódio: todos os dias ela chegava ao Centro Psiquiátrico Pedro II, Rio de Janeiro, onde dirigia a seção de terapia ocupacional, e passava diante de uma interna que, invariavelmente, estava sentada sempre no mesmo lugar, com o olhar perdido. Também invariavelmente, a doutora ao passar pela paciente a fitava e dizia – “Bom dia, querida!” – e seguia para seu gabinete. A interna em questão já estava na instituição de saúde mental há alguns anos em estado de catatonia, não respondendo de maneira satisfatória a nenhuma terapia. Porém, em determinada ocasião, a doutora passou e, mais uma vez, cumprimentou a interna com seu costumeiro “Bom dia, querida!”, e seguiu adiante, mas uma funcionária correu ao encontro da doutora e disse: “Depois que a senhora passou, ela jogou um beijo”. A doutora parou e vacilou um pouco. O que seria mais apropriado, retornar e tentar conversar com a paciente ou seguir em frente? Tentou lembrar se na literatura haveria um procedimento padrão em uma situação como aquela, mas nada veio à mente. Seguindo os próprios sentimentos, ela agradeceu à funcionária e seguiu direto para o gabinete.
No dia seguinte a doutora chegou no horário de sempre e foi trilhando o caminho costumeiro em direção ao gabinete, mas ao se aproximar da interna que no dia anterior havia jogado um beijo, caminhou diretamente em direção a ela. Diante da paciente parou e disse sorrindo: “Bom dia, querida! Você quer me dizer alguma coisa?”. A paciente se levantou e abraçou fortemente a médica. Depois disto, conforme relatado pela doutora, a paciente começou a reagir positivamente às terapias, até receber alta e voltar ao convívio com a família.
Mas por que a paciente, que não havia melhorado nenhum pouco em vários anos de tratamento, teve essa súbita melhora e evoluiu até poder voltar ao convívio familiar? No livro A Verdade da Vida, volume 1 (página 41), o mestre Masaharu Taniguchi diz o seguinte:
Na expressão xintoísta, ‘amor’ é musubi, que significa ‘enlace’ ou ‘união de amor’. No Japão, desde os primórdios, usavam-se os ideogramas ‘gerar’ e ‘espírito’ para constituir a palavra musubi. Concluindo, amor é ‘espírito que gera’ e, sem ele, a Vida não pode ser gerada nem criada com perfeição.
Talvez possa haver explicações científicas para essa ocorrência do Centro Psiquiátrico Pedro II, mas acredito que foi essa força musubi, ou união de amor, que processou a evolução favorável do quadro da paciente. Foi o profundo amor da doutora Nise da Silveira que despertou a capacidade de amar da paciente, levando à melhora do quadro e posterior reintegração à família e à sociedade. O preletor Ito teve dificuldade em curar o homem que parecia enlouquecido enquanto não foi capaz de visualizar a Imagem Verdadeira de filho de Deus. Enquanto fitava o aspecto de pessoa ensandecida, não obteve bom resultado. A doutora Nise, ao cumprimentar, com um afetuoso bom dia, a interna, dá um belo exemplo do que é não se prender aos aspectos aparentes. Ao cumprimentar todos os dias uma pessoa que não respondia, ela estava vendo uma pessoa, um ser humano, uma filha de Deus. Em seu livro Imagens do Inconsciente, a doutora Silveira usa várias vezes expressões como: “fator humano” ou “aspecto humano” e afeto e afetividade. Talvez por ser uma cientista, não usou a palavra amor, mas lendo seus relatos de trato com os pacientes nas oficinas de terapia ocupacional, entendo que, mesmo usando termos mais apropriados em uma linguagem médica, estava se referindo ao amor. Na tarefa de organizar o tumulto que é sua psique, o indivíduo na condição de esquizofrenia muitas vezes se perde. Quanto a isto, a doutora diz: “Qualquer um poderá observar que as tentativas de ordenação interna, bem como as simultâneas tentativas de volta ao mundo externo, tornam-se mais firmes e duradouras se no ambiente onde vive o doente ele encontra o suporte do afeto” (Imagens do Inconsciente, p. 72).
Em A Verdade da Vida, volume 1, o mestre Masaharu Taniguchi explica que no xintoísmo, o “amor” é musubi, que tem o significado de “enlace” ou “união de amor”, que é a força que gera a cura. Neste sentido, o amor deve encontrar ressonância para manifestar sua força curativa. A doutora Nise da Silveira manifestou seu profundo amor através das palavras “Bom dia, querida!”. Este é o verdadeiro amor de Deus, que, transcendendo as aparências, mesmo diante de alguém que, fenomenicamente, apresenta a imagem de esquizofrenia catatônica. A paciente recebeu o amor e passou a amar profundamente à médica, que a reconheceu como filha de Deus. Sentindo-se amada e passando a amar, a paciente expressa seu amor através de um singelo gesto de jogar um beijo. Simplesmente como ato de amor, sem esperar nada, sequer sem esperar ser notada, porque lançou o beijo após a passagem da médica. Nesse momento fechou-se o circulo do amor, isto é, realizou-se o “enlace” ou “união de amor” e entrou-se no processo de cura divina. Consta o seguinte em Palavras de Sabedoria, do livro A Verdade da Vida, volume 22: “O caminho se abre quando há união. Quando o paciente e o médico se unem, abre-se o Caminho da cura médica. O Caminho (verdade) rege o Universo”. Mas existem os casos em que não se realiza o “enlace” ou “união de amor”, porque, ainda que recebendo o amor, o doente não consegue localizar um foco a que direcionar seu amor, por isto a doutora Nise da Silveira escreveu (página 86): “Nessa apologia ao afeto, não sejamos demasiado ingênuos, pensando que será fácil satisfazer as grandes necessidades afetivas de seres que foram tão machucados, e socialmente tão sujeitados. Um deles escreveu:
De que serve colher rosas,
Se não tenho a quem ofertá-las”.
Somos seres criados pelo Amor de Deus, que se manifesta sobre a Terra através do amor de nossos pais, portanto, nossa natureza, nossa substância é o amor. A pessoa adoece quando não está manifestando o amor, porque não está vivendo de acordo com sua natureza, e recobra a saúde quando passa a viver o amor em sua plenitude. Nas palavras do dia 5 de abril, de A Verdade da Vida, volume 37, temos as seguintes palavras:
“De vez em quando encontro casos semelhantes ao de uma doente mental que se curou após engravidar e ter o seu filho. Provavelmente, na época anterior a esse evento, o lar dessa mulher devia estar em desarmonia e ela, ávida por amar. Mas, quando nasceu a criança, ela passou a ter o objeto para dedicar seu amor, e a sua doença, que provinha da insatisfação do desejo de amar, foi curada.
O mestre Masaharu Taniguchi diz nas palavras do dia 4 de abril, de A Verdade da Vida, volume 37, que “Quando o ambiente reprime o desejo de expressão do homem, este pode ou enlouquecer, ou tornar-se histérico, ou adoecer”, e como ilustração cita o caso do presidiário russo que recebeu como castigo a tarefa de passar alternadamente de um balde para o outro a mesma água, durante o dia inteiro e que acabou por enlouquecer, narrado por Fiódor Dostoiévski no livro Recordação da Casa dos Mortos. A doutora Nise da Silveira teve grandes dificuldades, e teve de vencer inclusive o ceticismo da sociedade de sua época. Assim ela se expressa no livro Imagens do Inconsciente:
Qual seria o lugar da terapêutica ocupacional no meio do arsenal constituído pelos choques elétricos que determinam convulsões; pelo coma insulínico; pela psicocirurgia; pelos psicotrópicos administrados em doses brutais até “impregnarem” o indivíduo? Um método que utilizava com agentes terapêuticos pintura, modelagem, música, trabalhos artesanais, logicamente seria julgado ingênuo e quase inócuo. Valeria quando muito para distrair os internados ou para torná-los produtivos em relação à economia dos hospitais.
(Página 74)
Quando abri o setor de pintura, em 1946, minha intenção era encontrar caminho de acesso ao mundo interior do psicótico, visto que com ele as comunicações verbais apresentavam-se tão difíceis e deixavam quase sempre o médico do outro lado do muro. O espantoso foi a verificação de que o ato de pintar poderia adquirir por si mesmo qualidades terapêuticas. No relatório anual de 1948, referente à seção de terapêutica ocupacional, escrevi: “Nossa observação cada vez mais confirma que a pintura não só proporciona esclarecimentos para processos patológicos, mas constitui igualmente verdadeiro agente terapêutico”. Era uma constatação empírica, que continuou a ser confirmada nos anos seguintes.
(Página 142)
A psicologia junguiana esclarece que a esquizofrenia, por exemplo, se origina, em suas múltiplas manifestações, de atividades psíquicas comuns a todos os seres humanos, mas que explodem de maneira desenfreada e simbólica através da loucura. Creio que não seria equivocado afirmar que um doente mental é um indivíduo que, por algum motivo, não está tendo sucesso em organizar suas atividades psíquicas por não se sentir amado e não ser capaz de identificar um foco para direcionar sua própria capacidade de amar, que permanece reprimida. Em A Verdade da Vida, volume 4, o professor Masaharu Taniguchi conta sobre o sr. Hiroshi Fukushima, fervoroso adepto da Seicho-No-Ie, que assistia a doentes mentais, tendo como lema as palavras de sabedoria da Seicho-No-Ie “o amor cura”. Segundo o professor Taniguchi, o sr. Fukushima levava uma vida totalmente identificada com os doentes:
Quando estes eram acometidos de crise de loucura, não se irava ante esse estado, nem fugia atemorizado, nem os vigiava receando que praticassem algum mal. Com sentimento de grande amor, por assim dizer, envolvia-os e com eles se fundia. Como o amor é vibração espiritual de harmonia, e a loucura a de desarmonia, quando a vibração de harmonia do amor envolve e neutraliza a vibração mental de desarmonia do doente mental, ocorre a cura deste.
(TANIGUCHI, Masaharu. A Verdade da Vida, v.4. São Paulo: Seicho-No-Ie do Brasil, 1882. p.77)
Não só a vivência religiosa, mas também a experiência clínica comprovam que o amor é força que cura. Não sem razão, o apóstolo Paulo, na Primeira Carta aos Coríntios, capítulo 13, classifica o amor como dom supremo.
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