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Não se transforme em estátua de sal

  • Eduardo Nunes da Silva
  • 9 de jul. de 2020
  • 6 min de leitura

No livro de Gênesis da Bíblia há a narrativa da destruição das cidades de Sodoma e Gomorra, nas quais, segundo a escritura, reinava a iniquidade e o pecado. Recentemente na Jordânia, depois de mais de dez anos de escavações, arqueólogos encontraram na região do monte Tall Hammam, o que acreditam ser as ruínas dessas cidades míticas. A destruição de Sodoma e Gomorra é uma das histórias mais conhecidas da Bíblia. Diz a escritura: “Então, o Senhor fez chover enxofre e fogo, do Senhor desde os céus, sobre Sodoma e Gomorra” (Gênesis 19:24). De acordo com os arqueólogos, as cidades cujas ruínas foram encontradas foram destruídas por um forte impacto, provavelmente de um meteoro. Dizem tratar-se do maior sítio arqueológico da Idade do Bronze na região. Voltando à escritura, “Assim ele destruiu aquelas cidades e toda a planície, com todos os habitantes das cidades e a vegetação”, mas Ló, irmão de Abraão, sua mulher e suas duas filhas foram poupados porque eram bons. Mas ao deixarem a cidade ocorreu um incidente inusitado, apesar da ordem dos anjos do Senhor para fugirem sem olhar para traz, a mulher de Ló não obedeceu e, enquanto fugia, olhou para traz e instantaneamente se transformou numa estátua de sal.

Apesar de haverem encontrado ruínas que supõem serem de Sodoma e Gomorra e contarmos com os avanços da ciência, é difícil saber o que realmente aconteceu no episódio bíblico. Não estou questionando a veracidade da narrativa, mas os cronistas antigos recorriam quase sempre a figuras alegóricas e linguagem simbólica em suas narrativas, por isto o mestre Masaharu Taniguchi diz que o que foi escrito sob inspiração, só pode ser interpretado sob inspiração. De qualquer modo, não tenho a pretensão de interpretar esta passagem bíblica, mas, a partir dela, quero fazer uma reflexão sobre alguns aspectos de nossa vida.

Diante do senso comum parece algo totalmente fora da realidade que alguém, somente por dar uma olhadela para uma cena, ou por olhar para traz quando está deixando um local, possa transformar-se em uma estátua. Mas quantas vezes nós não nos transformamos em “estátuas de sal” ao permanecermos atados a um passado de sofrimento? Quantas vezes não nos detemos imobilizados e fechados a novas realizações e experiência promissoras, em função de desilusões ou feridas psicológicas que já deveriam ter ficado para traz? Isto é, o tempo passou, mas, como a mulher de Ló, continuamos “olhando para trás”. Uma coisa é fato, não podemos, em hipótese alguma, modificar o passado, por mais fé que possuamos, por mais que oremos, isto não será possível. Não estou com isto dizendo que estamos fadados a permanecer atados a sofrimentos, traumas, angústias e decepções do passado. Se há algo que nos prenda ao passado ainda causando sofrimentos, o fato de não podermos modificar o passado, não quer dizer que devemos nos conformar em permanecer imobilizados emocionalmente, tal qual uma estátua de sal. O que aconteceu no passado está consumado e ponto final, mas nós podemos retirar as cargas emocionais negativas relacionadas às situações que nos fizeram sofrer e que talvez ainda estejamos carregando.

Todo sofrimento vem do apego. Nosso ser verdadeiro é filho de Deus, que a nada se apega e é totalmente livre, não permanece estagnado e é livre até mesmo das amarras do carma. Nosso eu verdadeiro é filho de Deus e não pode ser tolhido por coisa alguma. Segundo a terminologia da Análise Transacional, carícia é a unidade básica de reconhecimento entre pessoas. “Os problemas surgem quando insistimos em nos manter presos a uma estrutura que não funciona mais, quando perdemos carícias de que precisamos ou quando nossa necessidade de carícias sofre mudanças[1]”. Ficamos apegados a estruturas, a situações e a pessoas, remoendo, consciente ou inconscientemente, as amarguras, ou seja, ao invés de sairmos da situação, quedamos paralisados como estátuas de sal.

Ressentimo-nos por aquilo que a vida e as pessoas nos fizeram, sejam os pais, os irmãos, a sociedade, o ex-marido ou ex-mulher, quando não o (a) atual, os filhos etc., ademais, ressentimo-nos e não perdoamos a nós próprios, por coisas que fizemos e também por aquelas que deixamos de fazer. Sodoma e Gomorra foram destruídas por sua iniquidade e pecados, e o que é pecado? Conforme nos ensina a Seicho-No-Ie, é tudo que encobre e não permite revelar a nossa Imagem Verdadeira de filhos de Deus, que é livre por natureza e não tem nenhum tipo de carência ou sofrimentos. Resolutamente, sem olhar para trás, abandone os pecados, seus e das outras pessoas. Diante desta minha recomendação, talvez alguém poça pensar: “se fosse assim tão fácil, já o haveria feito há muito tempo”. Ademais, existem amarras do passado que subjazem em camadas profundas de nossa mente e das quais sequer temos consciência. Mesmo assim é possível romper com esses grilhões mentais através do método religioso. A isto se chama renascer.

No livro Imaginação Criadora, Roy Eugene Davis propõe um método interessante de reparação interior ao qual ele denomina Revisão Criadora:

O processo de revisão criadora é um simples exercício no uso da imaginação criadora. Se você estiver aborrecido por causa de um sentimento de fracasso, ressentimento ou sentimento de culpa, faça o seguinte. Fique calmo e lembre-se da causa principal da dor ou do aborrecimento. Reviva-a, na imaginação, com todos os tons de realidade, como desejaria que tivesse acontecido! Faça isto com imagens mentais vívidas e com um forte sentimento. Você não está mudando o que aconteceu no tempo e no espaço; está neutralizando o conteúdo emocional da imagem e da memória. Quando o sentimento é descarregado na imagem mental, a força compelidora é subjugada. Você poderá examinar sem uma reação emocional. Verificará que tem imediatamente mais energia, maior poder de concentração e um entusiasmo aumentado.

(DAVIS, Roy Eugene. Imaginação Criadora, 7ed. São Paulo: Seicho-No-Ie do Brasil, 2013. p.63)

A Seicho-No-Ie nos ensina uma prática maravilhosa de renascimento, que á Prática da Purificação da Mente. Ela é realizada nas academias da Seicho-No-Ie durante os seminários de treinamento espiritual. Consiste em um ritual de arrependimento, confissão e gratidão. Usei a alegoria da estátua de sal para representar a situação em que ficamos emocionalmente paralisados diante de circunstâncias da vida. Essa “paralisia emocional” é motivada pelos pensamentos e sentimentos negativos, preconceitos, medos, decepções etc., com os quais impregnamos nossa mente. Como um material radiativo que, mesmo invisível, continua emitindo radiação, os conteúdos mentais, mesmo esquecidos, também continuam influenciando nossos sentimentos presentes, e direcionando nosso destino. Mesmo em casa é possível realizar a prática da Purificação da Mente. A seguir transcrevo a orientação dada pelo mestre Masaharu Taniguchi a determinada senhora que sofria de neuralgia como reflexo de ressentimentos contra a sogra, que servirá de orientação para quem quiser fazer a mesma prática em casa:

Então, sugiro outro método: desabafar, por escrito, a tristeza, a raiva e o ódio que estão represados no coração. Por exemplo, ela poderá escrever: “No dia tal do mês tal eu disse tal coisa à minha sogra com a intenção de ajudá-la, mas ela me interpretou mal e me repreendeu aos gritos. Sua sogra maldita, velha rabugenta! Morra de uma Vez!”. Mas não basta escrever. Deve depositar esse papel no oratório em que a família oferece culto a Deus e aos antepassados e orar sinceramente: “O meu coração está repleto de sentimentos desprezíveis. Deus, purifique-os com Sua sabedoria e Seu amor, que são puros e belos”. Após a oração, retirar o papel do oratório, pois a sogra poderá encontrá-lo, ler o que está escrito e pensar que a nora, com intenção de matá-la, está pedindo ajuda a Deus e aos antepassados. Por isso, a sua amiga deve queimar o papel e, olhando a chama, agradecer mentalizando: “Deus está me purificando e eliminando o ódio que sinto da minha sogra. Muito obrigada, muito obrigada.

(TANIGUCHI, Masaharu. Viver Junto com Deus – A Verdade em 365 Preceitos; 1ª Ed.; Cap. 5; p. 113).

Ler livros da Verdade, que nos permitam conscientizar cada vez mais profundamente sobre nossa condição de filhos de Deus, participar das atividades da Seicho-No-Ie, aprofundar o sentimento de gratidão a todas as pessoas, coisas e fatos, e praticar a Meditação Shinsokan são métodos maravilhosos para libertar nossa mente das amarras do passado, permitindo o despertar espiritual e uma vida plena e feliz.

Somente a Imagem Verdadeira do homem, filho de Deus é a verdadeira existência; por conseguinte, todas as coisas más são inexistentes. Não existem pecados cometidos no passado. Os acontecimentos desagradáveis do passado também são inexistentes. Eles são como as nuvens que aparecem momentaneamente, mas que já desapareceram e não reaparecerão, mesmo que o queiramos. Pois, então, expulse do seu mundo mental todas as infelicidades e todos os acontecimentos desagradáveis do passado. Com isso, será desfeita a “corda mental” que o prendia ao mundo da infelicidade, e você poderá avançar para o mundo somente de felicidade.

(TANIGUCHI, Masaharu. Sabedoria da Vida Cotidiana em 365 Preceitos. 4ed. 2011. pp.69-70)

Lembre-se:

  • Não podemos, em hipótese alguma, modificar o passado.

  • Podemos retirar as cargas emocionais negativas relacionadas às situações que nos fizeram sofrer e que talvez ainda estejamos carregando.

  • Nosso eu verdadeiro é filho de Deus e não pode ser tolhido por coisa alguma.

  • Expulse do seu mundo mental todas as infelicidades e todos os acontecimentos desagradáveis do passado.

Os acontecimentos desagradáveis do passado também são inexistentes.

[1] BABCOCK, Dorothy E.; KEEPERS, Terry D. Pais Ok - Filhos Ok. São Paulo: Clube do Livro, s.d. p.246

 
 
 

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