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Perdão e arrependimento

  • Eduardo Nunes da Silva
  • 9 de out. de 2020
  • 5 min de leitura

Vi na Internet um influenciador digital comentando em seu canal no YouTube sobre o episódio em que o fundador da Igreja Mundial do Poder de Deus, Valdemiro Santiago de Oliveira, levou uma facada durante um culto da igreja. Ainda no hospital Valdemiro declarou que perdoava o agressor e o abençoava. O influenciador digital criticou Valdemiro veementemente, dizendo que ele jamais poderia perdoar, pois não existe isso de perdoar alguém que não se arrependeu. Ele criticava como se o perdão sem o devido arrependimento fosse uma grande heresia e prepotência, pois, segundo ele, nem Deus perdoa sem que haja arrependimento.

Se tomássemos como correto o pensamento do influenciador digital, de que somente mediante o arrependimento do outro, podemos conceder o perdão a alguém, ficaríamos reféns do outro e reféns do pecado cometido por terceiros. Em outras palavras, ficaríamos tolhidos em nossa liberdade, porque não poderíamos manifestar o amor e nossa capacidade de não ver o mal, como também ficaríamos obrigados a reter a carga emocional destrutiva em nossa mente. O mestre Seicho Taniguchi diz em seu livro Viver com Pureza (3ed. 2014. p.25), que “Perdoar aos outros é realmente maravilhoso. A pessoa jamais será feliz se ficar presa aos acontecimentos do passado, odiando e ruminando mágoas. Perdoando e cultivando amor e gratidão, ela conseguirá a felicidade máxima”.

Em Mateus 5:43-45 está dito: “Ouvistes o que foi dito: Amarás o teu próximo e odiarás o teu inimigo. Eu, porém vos digo: Amai os vossos inimigos e orai pelos que vos perseguem; para que vos torneis filhos do vosso Pai que está nos céus, pois que Ele faz raiar o seu sol sobre maus e bons e sobre justos e injustos”. Amar o inimigo e orar por ele é perdão irrestrito, isto ensinou Jesus Cristo. De acordo com o Ensinamento da Seicho-No-Ie, devemos elevar ainda mais nosso nível mental e amar e abençoar o outro sem reconhecê-lo como inimigo, mas como um enviado de Deus para mostrar os pontos falhos que, porventura, ainda tenhamos em nossa mente para assim podermos corrigi-los. Desta maneira, perdoar não está vinculado ao arrependimento do outro. Inclusive porque muita vez o ressentimento que temos não implica que o outro tenha realmente errado em relação a nós. Por exemplo, alguns ressentimentos que carregamos em relação a nossos pais. “Essa gravação permanente é o resíduo de ter sido criança. Qualquer criança. Mesmo o filho de pais bons, amorosos e bem intencionados[1]”, como nos diz o dr. Thomas A. Harris, e conclui: “É a situação de infância e não a intenção dos pais que produz o problema”. Em outras palavras, tudo depende dos sentimentos e entendimento que tivemos em relação aos eventos de nossa vida. “A falta de compreensão, o rancor, o não perdão, a invenção de crimes que ninguém cometeu – mas apontamos o dedo acusador[2]”. No conto zen que apresentei no início deste livro, o monge tolo de olho vazado sentiu-se ofendido pelo que julgou serem atitudes hostis do monge peregrino, mas por parte do peregrino não houve qualquer intenção de ser descortês. Diz o livro de Levíticos da Bíblia: “Não procurem vingança nem guardem rancor contra alguém do seu povo, mas ame cada um a seu próximo como a si mesmo” (Levíticos 19:18).

Em Mateus 26:26 lê-se: “Isto é o meu sangue da aliança, que é derramado em favor de muitos, para perdão de pecados”. Veja que o Evangelho fala do sangue que seria derramado por muitos, para perdão dos pecados, mas não diz que seria exigido de muitos o arrependimento. Isto não quer dizer que o arrependimento não seja importante. Em atos 17.30 temos: “Ora, Deus não levou em conta os tempos da ignorância: agora, porém, notifica que todos em toda parte se arrependam”. O arrependimento não é uma condição para concedermos o perdão a alguém, mas é uma condição necessária para receber o perdão. Mesmo que tenhamos sido perdoados por nossos irmãos contra os quais tenhamos falhado, e que Deus, infinitamente amoroso e misericordioso, nos conceda seu perdão incondicional, não podemos dizer que recebemos o perdão se não houver o arrependimento de havermos agido de forma não condizente com nossa natureza de filhos de Deus. Ser perdoado significa livrar-se dos carmas negativos acumulados por havermos “pecado” em relação a nosso próximo e também contra nós mesmos. O mestre Masaharu Taniguchi diz no livro Reconstruindo a Alma Humana (7ed., 2015, p.125) “necessitamos do arrependimento, mas não devemos continuar nos afligindo lembrando-nos dos pecados”

O arrependimento constitui a ação de “desmascarar” o falso eu para que se manifeste nosso Eu real, que é filho de Deus. Devemos nos arrepender de nossos erros, não só por atos praticados, mas até de sentimentos negativos e destrutivos, como o desejo de prejudicar outras pessoas, sob qualquer pretexto, de julgarmos nossos irmãos etc.

Embora o homem deseje perdoar a si mesmo para não sofrer desgraças, se ele estiver alimentando o desejo de prejudicar os outros, a voz que murmura no seu subconsciente o levará à autopunição, e ele não conseguirá esquivar-se da desgraça. Dr. Menninger cita os seguintes casos:

“um fato dramático chamou a minha atenção recentemente. Li num jornal o caso de um homem que montou uma armadilha no galinheiro de tal forma que uma espingarda disparasse automaticamente quando um ladrão tentasse roubar as galinhas. No entanto, ele mesmo entrou no galinheiro esquecendo-se da armadilha e foi morto com a própria espingarda. Penso que esse é um exemplo de pena de morte aplicada a si mesmo. Dois meses depois, li também no jornal o caso de um outro homem que montou uma armadilha na garagem para proteger o seu carro. Ele foi viajar e ficou fora de casa mais ou menos durante um mês e, quando voltou, foi morto pela própria armadilha. Recortei esse artigo e guardei, e comecei a procurar mais casos semelhantes. Dento de mais ou menos um ano, tinha cinco casos de pessoas que caíram na armadilhas preparadas por elas mesmas. Não creio que todos esses acidentes sejam meras coincidências. Para que essas pessoas caíssem nas armadilhas preparadas pelas suas próprias mãos, deve ter existido algum fator chamado sentimento de culpa (inconsciente) resultante da intenção de matar um homem (mesmo sendo um ladrão).”

Através desses exemplos compreendemos que devemos perdoar aos que tentam nos prejudicar ou nos roubar. Se odiarmos e tentarmos prejudicar os outros, nós é que acabaremos sendo prejudicados.

(TANIGUCHI, Masaharu. Sabedoria da Vida Cotidiana em 265 Preceitos, v.1. 4ed. São Paulo: Seicho-No-Ie do Brasil, 2011. p.162-163)

A Revelação Divina da Grande Harmonia diz: “Reconcilia-te com todas as coisas do céu e da terá. Quando se efetivar a reconciliação com todas as coisas do céu e da terra, tudo será teu amigo”. Como filhos de Deus, somos absolutamente livres e podemos perdoar a todas as pessoas, inclusive a nós mesmos, e acolher a todas elas com o Amor de Deus. Para isso não é preciso esperar pelo arrependimento alheio, mas devemos nos arrepender de nossos próprios erros, não como forma de mortificação, mas passando a analisar nossa própria conduta pela “escala da natureza divina”, libertando-nos dos pecados e erros do passado e passando a praticar atos e manter sentimentos e pensamentos dignos de um filho de Deus.

Lembre-se:

· A pessoa jamais será feliz se ficar presa aos acontecimentos do passado, odiando e ruminando mágoas.

· O arrependimento não é uma condição para conceder o perdão a alguém, mas é uma condição necessária para receber o perdão.

· O arrependimento constitui a ação de “desmascarar” o falso eu, para que se manifeste nosso Eu real, que é filho de Deus.

· Como filhos de Deus, somos absolutamente livres e podemos perdoar a todas as pessoas, inclusive a nós mesmos, e acolher a todas elas com o Amor de Deus.

[1] HARRIS, Thomas A. Eu Estou OK, Você Está OK. São Paulo: Círculo do Livro (s.d.). p.49 [2] LUFT, Lya. A Casa Inventada. Rio de Janeiro: Record, 2017. p.76.

 
 
 

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